Indômita Cia. fala de antirracismo e ancestralidade negra para crianças no espetáculo "Kalunga Mar"

Peça acompanha a Palhaça Ursa Maior em uma jornada de decolonização, ressignificando o termo africano "Kalunga".

Palhaça Ursa Maior em Kalunga Mar

Foto: Ricardo Avellar

A Indômita Cia. embarca em uma nova e potente viagem. O espetáculo infantil Kalunga Mar utiliza a leveza e a magia da palhaçaria para navegar em temas profundos como pertencimento, ancestralidade negra, refúgio e deslocamento forçado na infância.

A peça conta a história de Ursa Maior, uma palhaça navegante que sobe em sua jangada tecida de curiosidade para buscar a decolonização de si e do mundo. O título evoca Kalunga, palavra banto de origem africana que significa grandeza, imensidão e mar, ressignificando um espaço histórico de dor para o povo negro em um oceano de poesia e possibilidades. A obra, que une comicidade física, música e pitadas de magia, conta com direção de Ronaldo Aguiar, provocações dramatúrgicas de Drica Santos e Nereu Afonso e atuação de Loi Lima, idealizadora do projeto.

Palhaça Ursa Maior em Kalunga Mar

Foto: Sergio Fernandes

Para Loi Lima, o diferencial de Kalunga Mar reside na escolha da linguagem. Palhaça há mais de 20 anos e atuando em contextos de vulnerabilidade e refúgio, ela entende o poder terapêutico e político do riso. A artista explica que a palhaçaria desarma, abre o coração e, por isso, é a via perfeita para tratar de questões identitárias cruciais.

"Percebemos que para falar de temas tão sensíveis como refúgio, pertencimento e diáspora, o nariz vermelho é o nosso melhor passaporte. A criança ri e, ao rir, ela se permite receber a mensagem de maneira mais leve, sem a pressão do didatismo", afirma Loi.

Nas palavras da atriz, o espetáculo tem a missão de fomentar uma "infância negra emancipadora", e o caminho para isso passa pela ressignificação de símbolos, como o próprio mar. Historicamente, a travessia atlântica carrega a dor da escravização. Na peça, este cenário é transformado em um espaço de grandeza e de guia.

Palhaça Ursa Maior em Kalunga Mar

Foto: Sergio Fernandes

Loi detalha esse processo de inversão de significado: "O mar foi o maior cemitério do nosso povo, um túmulo. A Palhaça Ursa Maior navega por esse mar, guiada pelas estrelas, provando que é possível se curar e encontrar um novo caminho. É uma forma de dizer para as nossas crianças: olhem para o Kalunga Mar, olhem para a sua ancestralidade e saibam que vocês são grandes e capazes de ir além de qualquer barreira. O mar não é o fim; ele é o começo da sua jornada."

A palhaça navegante, que toca seu tambor e nos pés utiliza um par de Gungas - instrumento do Moçambique, manifestação afro religiosa sudestina - convida a plateia a fazer a viagem junto, reforçando que não há idade para a jornada de autodescoberta e decolonização. A proposta é nítida: levar a arte do circo e do teatro para o debate antirracista, garantindo que as crianças negras tenham referenciais positivos e que as crianças brancas aprendam sobre o mundo múltiplo de forma empática.

O diretor Ronaldo Aguiar, especializado em circo e palhaçaria, destacou que o maior desafio de Kalunga Mar foi traduzir as inquietações sobre diáspora e migração forçada para a poética da infância.

Aguiar explica que a direção utilizou os códigos clássicos da palhaçaria, como o jogo, a triangulação e a mágica, para construir a cena. "Uma das coisas que sempre fiquei provocando no processo foi como a gente poderia trazer os códigos da palhaçaria e a manipulação de objetos", conta. O poder da imaginação é essencial, permitindo que o palco se transforme no vasto Kalunga Mar. É a partir desse lugar imaginário e poético que a linguagem da palhaçaria nos dá permissão para adentrar nesse território" reflete o diretor.

Palhaça Ursa Maior em Kalunga Mar

Foto: Ricardo Avellar

A peça enfatiza que decolonizar é um ato de resistência e busca por novos caminhos. A Palhaça Ursa Maior interage com o público, convidando-o a participar dessa jornada. Aguiar afirma que a decolonização está ligada a recusar a opressão: "decolonizar também é não aceitar o que o opressor ou os territórios de perigo podem oferecer. E uma das maiores formas de se rebelar é fugir desse lugar de guerra."

A Ursa Maior, ao se deparar com a opressão, escolhe seguir em frente, reforçando a ideia de um "corpo decolonizado". "O que ela faz? Ela sempre vai embora quando ela sente que está num processo de opressão. Então, esses lugares também criam esse corpo decolonizado, que é o corpo que resiste, que é o corpo que não vai se permitir a ficar numa narrativa do opressor." Essa tradução das narrativas de resistência para a linguagem da infância foi a grande conquista poética do espetáculo.

Ficha Técnica:

Elenco: Loi Lima. Direção: Ronaldo Aguiar. Provocação Dramatúrgica: Drica Santos e Nereu Afonso. Trilha Sonora: Iúna Augusto. Figurino: San Pestana. Cenário e Adereços: Lua Nucci. Preparação Corporal: Deise de Britto. Preparação Vocal: Livia Gold. Assessoria Gungas e Tambor: Renato Ihu. Técnica de Som: Lays Somogyi. Assessoria de Imprensa: Arteplural. Produção: Pin Rolê Invenções.

KALUNGA MAR

Palhaça Ursa Maior em Kalunga Mar

Foto: Sergio Fernandes

SESSÕES ABERTAS AO PÚBLICO

Teatro Flávio Império

Data: 09 de Novembro
Horário: Domingo, às 16h
Local: R. Prof. Alves Pedroso, 600 - Cangaíba
Ingressos: Distribuição de ingressos com 1 hora de antecedência.

CRAI - Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes

Data: 14 de Novembro
Horário: Sexta, às 15h
Local: R. Maj. Diogo, 834 - Bela Vista
Ingressos: Distribuição de ingressos com 1 hora de antecedência.

Apresentação integra a programação de aniversário do CRAI

SESSÕES PARA PÚBLICOS FECHADOS*

*Apresentações em escolas e centros de atendimento

CEU Campo Limpo

Data: 31 de Outubro
Horário: Sexta, às 15h
Local: Av. Carlos Lacerda, 678 - Vila Pirajussara

EMEF Espaço de Bitita**

Data: 04 de Novembro
Horário: Terça, às 10h e às 15h
Local: R. Comendador Nestor Pereira, 285 - Canindé

**focadas em crianças imigrantes

EMEF Jardim Damasceno I - Professor João Antônio Felício

Data: 28 de Novembro
Horário: Sexta, às 9h30 e às 14h
Local: Av. Dep. Cantídio Sampaio, 4798 - Jardim Brasilândia

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